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sábado, 12 de setembro de 2009

DOENÇAS DO AQUECIMENTO GLOBAL


Para os mosquitos vai ser a festa, para os humanos, o caos. Imagine os Estados Unidos tomados por uma epidemia de dengue ou malária, a parte mediterrânea da Europa com surtos de leishmaniose, a América Central e o Sudeste Asiático infestados pelo cólera e o Brasil com mais casos de dengue. O cenário catastrófico, bem pouco provável hoje, pode se tornar real em cerca de cem anos, ou até menos, se a temperatura do planeta continuar subindo no ritmo atual e os países não caminharem com a mesma velocidade para prevenir a proliferação de epidemias - e, claro, não tentarem reverter o processo de aquecimento global. O problema tem motivado estudos em todo o mundo, a maioria com modelos matemáticos, que mostram como as alterações climáticas podem aumentar a distribuição de doenças transmitidas por vetores.

Uma das projeções mais recentes, publicada em agosto na revista médica inglesa "The Lancet", prevê que até 2085, cerca de 50% a 60% da população mundial - algo em torno de 6 bilhões de pessoas - viverá em áreas de alto risco de transmissão de dengue. Em 1990 essa taxa era de 30% (cerca de 1,5 bilhão). Dois novos estudos sobre cólera também ajudaram a reforçar essa relação entre altas temperaturas e doenças. Os trabalhos, publicados na revista científica americana "Proceedings of the National Academy of Science" (PNAS) - baseados em dados de Bangladesh, na Ásia, onde o problema é endêmico -, demonstraram que o aumento da temperatura no Pacífico provocado pelo El Nino tem relação direta com a incidência de epidemias de cólera na região, e que essa influência tem se tornado ainda mais intensa nas últimas décadas.

Aquecimento faz insetos picarem mais vezes. Desde os anos 50, a Terra sofreu um aquecimento de 0,6 °C. A previsão do último Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, promovido pela ONU em 2001, é de que a temperatura possa aumentar até 5,8 °C em 2100 (em relação a 1990). Uma variação de 5 °C a 8 °C só seria considerada normal em um período de mil anos, explica o climatologista Carlos Nobre, coordenador-geral do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos, órgão do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). O principal responsável por esse verdadeiro inferno na Terra é o agravamento do efeito estufa - aprisionamento natural de calor na atmosfera pela concentração de gases, como o C02. "Estamos vivendo em uma época em que a concentração de gases estufa atingiu um nível nunca experimentado pelo planeta nos últimos 5 milhões de anos. E o homem é o principal responsável." E, ao que tudo indica, uma das principais vítimas também. Os possíveis efeitos da mudança climática - definida como as alterações nas taxas médias de temperatura de uma determinada região em um longo período - na saúde humana motivaram a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Conselho Americano de Ciência e Saúde a elaborarem relatórios para investigar as conseqüências dessa relação.

Mais áreas de risco

Entre os problemas listados estão a diminuição na disponibilidade de água potável, desastres naturais e aumento de problemas cardiovasculares e respiratórios decorrentes da maior intensidade e duração das ondas de calor. Mas a maior preocupação dos especialistas é a alteração na distribuição e freqüência de doenças tropicais transmitidas por insetos, especialmente a dengue e a malária.

Áreas mais úmidas e quentes são ideais para a procriação do Aedes aegypti, mosquito que transmite o vírus da dengue. Os pesquisadores neozelandeses e australianos que fizeram a projeção sobre a distribuição da doença em 2085 levaram em conta o aumento da temperatura do planeta e a ocorrência de pancadas de chuvas (veja mapa ao lado). O microbiologista Alexandre Adler, da Universidade Estadual do Rio de janeiro, explica que, com o calor, os ovos se transformam em mosquito mais rapidamente. O metabolismo do inseto também fica mais veloz e por isso ele precisa de mais alimento. "A fêmea que picava alguém de 15 em 15 dias, passa a picar de 4 em 4. Isso aumenta a transmissão de doenças."

Em relação à malária, considerada pela OMS a moléstia mais suscetível às variações climáticas, os pesquisadores ainda não chegaram a um consenso. Um estudo feito pela Escola Médica de Harvard, dos EUA, prevê que até a metade deste século, o aquecimento global colocará 60% dos seres humanos em áreas de risco. Hoje são 45%, e aproximadamente 300 milhões de novas infecções ocorrem por ano. Por esse modelo haveria um adicional de 80 milhões de casos anuais. A doença duplicaria na Amazônia e na África tropical, espalhando-se pelo sul dos Estados Unidos e até pelo gelado norte da Rússia. Uma outra pesquisa, feita na Universidade de Oxford, na Inglaterra, com modelos matemáticos diferentes, afirma que o aumento será bem menor, de cerca de 30 milhões de casos a mais ao ano.

Independentemente das previsões futuras, casos de malária têm aparecido com mais freqüência em regiões onde praticamente não existia a doença. Nos Estados Unidos, por exemplo, existem algumas espécies do Anopheles, mosquito que transmite a doença, em regiões mais quentes, mas ultimamente eles têm se espalhado para outras áreas do país.

A cada 1ºC a mais, micróbios aumentam 10 vezes.

Em 2002, o país registrou o verão mais quente dos últimos 70 anos. "Em países onde existe uma densidade alta de insetos nas terras baixas, se o continente é aquecido, esses mosquitos vão subir e se distribuir por áreas mais altas. Vão crescer onde antes eles não conseguiam porque fazia frio", afirma o professor Heitor Franco de Andrade Junior, do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo. Epidemias de malária também têm sido apontadas como uma das conseqüências após desastres naturais provocados pelo El Nino, como fortes chuvas, furacões e tufões. Nos climas secos, a precipitação forte pode criar poças, oferecendo condições favoráveis para a reprodução de mosquitos. Países como Equador, Peru e Bolívia sofreram sérias epidemias da doença após fortes chuvas em 1983.

EI Nino turbinado

Existem estudos mostrando que o aquecimento global pode intensificar e tornar mais freqüentes os ciclos do El Nino - que aumenta a temperatura, a quantidade de chuvas e a umidade. Por isso, o fenômeno é associado por alguns especialistas ao aumento nos riscos de proliferação de doenças transmitidas pela água, como leptospirose e salmoneloses, que tendem a aumentar após chuvas intensas.

Surtos de hantavírus - uma infecção respiratória transmitida por urina, fezes, saliva e secreções de roedores - que ocorreram no sudoeste dos EUA, em 1993 e em 1998, também foram associados ao fenômeno. Na região onde surgiu a doença em 1993 houve uma seca de seis anos e depois começaram intensas chuvas, até que na primavera daquele ano houve enorme aumento de sementes de pinha. O microbiologista Alexandre Adler conta que isso contribuiu para a proliferação de gafanhotos -alimento de roedores, que também se proliferaram. Os pesquisadores detectaram na área cerca de 10 vezes mais roedores do que normalmente existia. Com isso, aumentaram as secreções que causam a doença em humanos.

O mar mais quente também facilita a proliferação de microorganismos, como os zooplânctons, que servem como reservatórios do Vibrio cholerae, a bactéria do cólera. "Estimativas mostram que aumentando em 1°C a temperatura, o número de micróbios aumenta em 10 vezes. Onde existiam 100 mil passa a existir um milhão", explica Adler.

Apesar das evidências, não há resultados definitivos sobre essas relações. "Não está totalmente comprovado que o fenômeno sofre influência do aquecimento global", afirma o climatologista Carlos Nobre.

O mesmo pode ser dito sobre a influência do calor nas doenças. Apesar de estar comprovado que existe essa relação, isso não significa que ela sempre irá ocorrer. Se o aquecimento pode aumentar a incidência de doenças infecciosas em áreas temperadas, também pode provocar uma redução nas tropicais.

Alerta aos países

O calor exagerado prejudica o Aedes aegypti e também o Anopheles, segundo Adler. Ele explica que temperaturas maiores que 38 °C deixam o mosquito da dengue "lesado". O que significa que ele não pica nem se reproduz com a mesma velocidade. O ideal para o inseto é de 30 °C a 32 °C. "Temperaturas menores que 16 °C e maiores que 38 °C prejudicam a transmissão da dengue." No caso da malária, o ideal é 30 °C. Com menos de 20 °C e mais de 33 °C, o mosquito não transmite com a mesma eficiência a doença.

Além da temperatura, existem outras variáveis que não são levadas em conta nas previsões devastadoras dos modelos matemáticos.

"O impacto das variações climáticas na incidência de epidemias varia de acordo com o contexto social. O mesmo aumento de temperatura terá muito mais reflexos na África do que na Europa", pondera o insectologista Luiz Jacintho da Silva, da Superintendência de Controle de Endemias (Sueca). Ele explica que se o país tiver uma estrutura adequada, os efeitos dessas variações podem ser neutralizados antes de se tornarem um problema, como prevêem os modelos matemáticos. "Essas projeções para cem anos não levam em conta as diferenças sociais entre as regiões nem o avanço da tecnologia que pode haver nesse período de tempo. Por isso, devem ser encaradas como um alerta para que os países possam fazer investimentos em ações que impeçam a proliferação de doenças."

Dengue pode atingir 6 bilhões em 2085

Pesquisadores neo-zelandeses e australianos divulgaram em agosto, na revista médica inglesa "The Lancet", uma projeção matemática sobre a expansão mundial da dengue. O primeiro mapa mostra a situação de risco da doença em 1990, quando 30% da população vivia em áreas propensas à moléstia. No segundo mapa é feita uma estimativa para 2085. Segundo os cientistas, se o ritmo de aquecimento se mantiver, cerca de 50% a 60% da população mundial -algo em torno de 6 bilhões de pessoas poderá viver em áreas de risco de transmissão da virose. As cores mostram a probabilidade de ocorrência da dengue em cada região.

Efeito das mudanças climáticas na saúde humana

As mudanças climáticas (aumento da temperatura, tempestades, secas e desastres naturais) podem causar danos à saúde humana que vão desde viroses até problemas cardíacos. Uma das piores conseqüências previstas pela OMS no longo prazo é a expansão de doenças tropicais - como malária, dengue, febre amarela, cólera, salmoneloses, leishmaniose, leptospirose e infecção por hantavírus - para regiões temperadas.

Planeta doente

Os humanos não serão as únicas vítimas do aquecimento global. A elevação da temperatura média do planeta está aumentando a incidência de doenças causadas por bactérias, fungos, vírus e protozoários nas mais variadas formas de vida da Terra, como plantas - aquáticas e terrestres -, pássaros, corais, insetos e animais de grande porte como leões. As constatações fazem parte de um estudo publicado na revista americana "Science", em junho, que lista uma série de problemas que as mudanças climáticas já representam para os ecossistemas.

Os corais estão entre as espécies mais prejudicadas pelo aquecimento dos oceanos, segundo os cientistas. Em 1998, ano em que os efeitos de El Nino foram os mais intensos da história, houve uma proliferação de doenças e mortes de corais em diversas partes do planeta. As pragas marinhas também comprometem a saúde de outros seres que vivem nos oceanos, hábitat das espécies mais vulneráveis.

Entre as formas de vida terrestres ameaçadas pelo calor estão alguns tipos de plantas, que podem ter sua resistência a fungos e vírus diminuída devido a elevações na temperatura. Espécies de pássaros que vivem no arquipélago do Havaí estão sendo ameaçadas por mosquitos transmissores de malária, que até os anos 60 concentravam-se apenas em áreas de baixa altitude, mas que se espalharam para regiões mais altas, devido ao aumento da temperatura.

Globalização das doenças

Estragos do aquecimento e dos distúrbios climáticos pelo mundo, surtos e ressurgimentos de doenças transmitidas por insetos, roedores ou pela água após ondas de calor, ações do El Nino e eventos como inundações ou secas. Os piores problemas foram causados pela ocorrência do fenômeno em 1997 e 1998, quando milhares de pessoas na índia e centenas na Europa e nos Estados Unidos morreram por conta das ondas de calor.

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