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quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Países ricos dão marcha a ré em Copenhague

A marcha a ré e o duplo discurso dos países ricos caracteriza o começo da 15ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP-15) na capital dinamarquesa, segundo numerosos participantes procedentes do mundo em desenvolvimento. “As nações industrializadas expressam sua profunda preocupação e seu compromisso com a ação em suas declarações públicas, mas isso é completamente diferente nas salas de negociação”, afirmou o negociador argelino Kamel Djemouai, presidente do grupo da África, que representa mais de 50 países desse continente.
“O que se ouve em público não é o que se faz”, assegurou Djemouai aos delegados em uma reunião paralela às sessões da COP-15, preparada pela Organização das Nações Unidas. Na última rodada de negociações climáticas antes de Copenhague, em Barcelona, os países africanos boicotaram o evento porque diziam que os Estados industrializados haviam fixado metas muito baixas de redução da emissão de dióxido de carbono para mitigar substancialmente a expulsão de gases causadores do efeito estufa da atmosfera.
O dióxido de carbono é considerado o principal gás-estufa, que provocam o aquecimento do planeta e a modificação do clima em todo o mundo. A mudança climática já tem repercussões significativas na África e estas são uma forma de discriminação, assegurou Djemouai. “A ciência nos diz que quando a temperatura mundial média sobe um grau. Na África são dois graus a mais”, acrescentou. A atual temperatura média é de 0,78 grau superior à de 100 anos atrás.
Estados Unidos e União Europeia procuram “liquidar o Protocolo de Kyoto” quando o mundo deveria reforçar esse convênio e seguir o Plano de Ação do mesmo adotado em Bali em 2007, disse Djemouai. O Protocolo, de 1997, é o único tratado internacional que fixa metas legalmente vinculantes para reduzir emissões de gás-estufa em pelo menos 5% entre 2008 e 2012, com relação aos níveis de 1990. As nações em desenvolvimento não estão comprometidas por meta alguma.
A complexa normativa do Protocolo de Kyoto concluiu em 2001 e entrou em vigência no dia 16 de fevereiro de 2005. Foi ratificado por 183 países, inclusive pela União Europeia, mas não pelos Estados Unidos, o segundo maior emissor depois da China, de gases contaminantes do mundo. Por outro lado, os EUA e outros países pretendem um acordo que não seja vinculante no plano internacional e que apenas exija dos países promessas cujo cumprimento seja submetido ao escrutínio de seus pares.
No Plano de Ação de Bali, todas as partes – inclusive os EUA – acordaram fixar em Copenhague metas de mitigação e instrumentalizar acordos de transferência de tecnologia e financiamento para ajudar os países em desenvolvimento a reduzir suas emissões e adaptarem-se à mudança climática. Agora os países industrializados pretendem modificar o acordo ao incorporar muitas condições mais antes de proporcionar metas reais e efetivas, disse Djemouai. “Só pedimos aos países ricos que cumpram a recomendação do Grupo Internacional de Especialistas Sobre Mudança Climática (IPCC) de reduzir as emissões entre 25% e 40% até 2020”, afirmou.
As propostas que pretendem por fim ao Protocolo de Kyoto são motivo de assombro entre as nações em desenvolvimento, disse Martin Khor, diretor-executivo do South Centre, organização intergovernamental de países do Sul com sede em Genebra. “O plano de ação de Bali continuará. Do contrário, aqui haverá um estado de anarquia”, disse Khor aos delegados. Este especialista reconhece que os Estados Unidos, que está apenas saindo de sua “época obscura”, ainda não está pronto para assumir um tratado vinculante do tipo de Kyoto. Mas as normas atuais dão uma flexibilidade que permitira a Washington assumir um compromisso de menor peso vinculante, sem chegar a acabar com o Protocolo de Kyoto, afirmou.
Por outro lado, os países ricos tentam reiniciar as negociações e se comprometeram a reduzir suas emissões bem abaixo dos 30%/40% que faltam até 2020 para impedir que o crescente nível da água, consequência do aquecimento, cubra vários pequenos Estados insulares. “Os governos ricos se distanciam de seus compromissos em um momento em que deveriam reforçá-los, e passam a responsabilidade aos países em desenvolvimento”, disse Khor.
Os países desenvolvidos têm graves lacunas de instrumentalização nesse ponto, concordou Bernaditas de Castro Muller, negociadora das Filipinas. Muitos signatários do Protocolo de Kyoto aumentaram, em lugar de reduzir, suas emissões, e proporcionaram escassos fundos para ajudar os países do Sul, afirmou. “Nas Filipinas estamos praticamente pedindo esmola para encontrar arroz que alimente nosso povo depois de uma série de devastadores ciclones este ano”, ressaltou. Historicamente, cerca de 80% dos gases-estufa na atmosfera provêm dos países ricos, que representam 20% da população mundial.
“Essa iniqüidade não pode ser ignorada”, disse Muller.Embora as emissões atuais se dividam em partes iguais entre os países do Norte industrializado e os do Sul em desenvolvimento, metade das mesmas corresponde a apenas um quinto da população mundial. “Isso é eqüitativo”, perguntou a negociadora filipina. Os países em desenvolvimento estão preparados para tomar medidas que reduzam as emissões, mas isso depende de os Estados industriais assumirem reduções baseadas em dados científicos e cumpram suas promessas de ajuda aos mais pobres, acrescentou Muller. “Aqui estamos lutando por nossa existência. Lutamos pela justiça”, ressaltou.
Fonte: IPS/Envolverde

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