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domingo, 9 de maio de 2010

O Brasil é a maior potência ambiental do Planeta!

Diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica

Apaixonado pelas causas ambientais, o geógrafo Mário Mantovani não mede palavras ao expressar suas opiniões, mas revela otimismo em relação ao Brasil

Quais são as principais ameaças nas propostas de mudança do Código Florestal?

Primeiro percebemos que não está sendo discutido o Código Florestal, mas o Código Ambiental. Nas premissas, eles colocam o resgate da competência, que há dez anos estava sendo discutido; a distribuição dos ônus ambientais para a própria sociedade, como se pode falar que por ter reserva legal é preciso receber por ela? Já tem a função social da terra, a terra não é minha, é do Brasil; adoção de parâmetros técnico-científicos, com apenas um parecer da Embrapa. Aí colocam revisão da Política Nacional de Meio Ambiente, que não tem nada a ver com o Código Florestal; mudança no Conselho Nacional de Meio Ambiente e todas as maldades que eles conseguem colocar, por exemplo: revisar regras relativas a APPs ou diminuir áreas de beira de rio, como fizeram no Código de Santa Catarina. Na realidade, eles estão em cima de uma questão pertinente, isso é importante, que nós já vínhamos fazendo, com grandes avanços. Já tínhamos quase acertada a questão da reserva legal com o governo, com o produtor, com o ambientalista, com os movimentos sociais; e a gente se deparou com essa proposta, que é um contrabando criando uma comissão especial com a CNA (Confederação Nacional da Agricultura). Tentando legitimar com muito mais força e impacto, fizeram grandes eventos. A SOS se insurgiu e fez a campanha "Exterminadores do Futuro", que é esse retorno no passado para destruir o futuro e as conquistas que estavam lá previstas na Constituição. O Código Florestal disparou um processo de alerta da sociedade contra esse tipo de agressão. Mas não é ele que está em discussão.

A campanha "Os Exterminadores do Futuro" vai ter alguma conexão com as eleições?

Com certeza. A gente está trazendo ela diretamente para isso: identificar os candidatos que não tenham compromisso com o futuro, mas com esse passado que é crítico. Estamos pedindo que os eleitores identifiquem e vamos fazer uma coisa mais ampla ainda: uma plataforma ambiental para os candidatos para que o próprio eleitor identifique os exterminadores do futuro quando for procurado pelo candidato em busca de voto questionando-o sobre o compromisso com o meio ambiente.

Já que estamos falando de campanhas da SOS Mata Atlântica, qual foi a de maior sucesso até hoje na sua opinião?

"Estão tirando o verde da nossa Terra". Ela dizia tudo e era pura intuição. Ainda não tínhamos imagens de satélite. Depois a SOS conseguiu estabelecer parcerias com o Inpe e outras instituições e hoje qualquer alteração de três hectares a gente consegue ver. Mas, naquele momento, foi muito forte. A gente pensou: como contar para a sociedade o que está acontecendo? Quando se falava em biodiversidade, todo mundo dizia: "você está maluco! Isso não vai pegar!" Aí alguém tirou um pedaço do verde da bandeira e isso foi impactante porque ninguém podia mexer na bandeira, tinha aquela coisa dos militares, nós fomos, por muitos anos, responder na Justiça por causa disso e foi genial porque a campanha foi muito boa. Agora a SOS tem muita sorte porque toda campanha é muito boa, dá impacto positivo.

Acredita que o brasileiro está mais consciente da importância de preservar nossas florestas?

Acho que porque está percebendo que tudo tem impacto direto na vida. Hoje se gasta mais dinheiro com desassoreamento de rio que com saneamento e qualquer chuvinha causa impacto nas cidades e eu não estou falando só de São Paulo e Rio não. Essas chuvas generalizadas no Nordeste, no Sul / Sudeste, o que aconteceu em Santa Catarina, o despreparo do Brasil ante a qualquer catástrofe ambiental. Imagine se isso é aprofundado em virtude das mudanças climáticas. Nós não estamos nem um pouco preparados para isso. E eu acho que a gente consegue associar essa questão de natureza, infelizmente, com a questão catastrófica. Eu acho isso péssimo. Os caras já acham que ambientalista adora o tema fim do mundo, é catastrofista. Mas eu acho que isso é coisa para se pensar hoje em dia. E quando eu digo que está melhorando é que você também consegue relacionar isso com questões como não ter área verde. Hoje, ao falar no conceito "ilha de calor", nas cidades, ninguém mais se assusta como há algum tempo atrás. Neguinho duvidava, até. Hoje já é um tema aceito. Veja o exemplo da questão de menos água nos produtos. Pega uma coca-cola, que, no mundo todo gasta cinco, seis litros de água por litro. Aqui é 1,8 litro. Aqui já se fala em neutralizar a produção em relação à água. São conceitos completamente novos que estão chegando e que a gente jamais pensou que iriam acontecer e começam a ser incorporados e isso passa a ser informado para a sociedade. Eu estou fazendo o meu PET com 30% de álcool em vez de usar polímero de petróleo. Não se usa mais a sacolinha quando vai comprar. Coisas muito simples que produzem um impacto fantástico.

Qual é hoje a principal ameaça na luta pela preservação do que restou da nossa Mata Atlântica?

A expansão urbana. Por que a expansão urbana? Hoje um loteamento diz: "more na natureza". Há alguns anos atrás era visto como: "tira isso aí que é um atraso", "limpa", "desbrava". Hoje o que sobrou passou a ser atrativo. Se tem: "more do lado do parque" (está a 50 quilômetros), "vista do parque" (está a 10 quilômetros). Com a expansão das cidades, que concentrou 80% da população, começou a demandar muito, comprometer o abastecimento, a qualidade de vida, com esgoto, assoreamento dos rios. As pessoas se aglomeram e o pouquinho que se faz é pintar de verde o chão. Qualquer propaganda, de qualquer empreendimento, hoje faz diferença.

Qual a saída para isso? Ainda se defende a formação dos corredores ecológicos ou mosaicos de Unidades de Conservação?

Eu ainda acho que a coisa mais prática que a gente tem é a mata ciliar com uma nova função, não aquela só de impedir que caia veneno, que venha a erosão, mas fazer corredores a partir das matas ciliares. É isso que a atualização do Código Florestal poderia trazer, uma função nova, que não era prevista no Código de 1965, mas que com a Lei da Biodiversidade, a Lei das Águas, o Plano de Mudanças Climáticas, possa dar uma função nova, de corredores das águas. Imagina se a gente fala da Mata Atlântica, que só tem 7% da área original, vamos por 20% de reserva legal. Hoje, a convenção de biodiversidade diz que a gente tem que ter 10% dos biomas preservados. A gente faria uma duplicação dessa área, daria emprego, garantiria essa recuperação. E uma recuperação de áreas pequenas, que é a grande bronca. Os ruralistas falam que os pequenos estão ficando inviáveis, que se quiser fazer reserva legal não vai poder fazer mais nada. Eu posso fazer um renovação florestal, na minha propriedade, usando hoje uma agrofrutífera, eu trago polinização e outras coisas e a gente está querendo avançar nisso. Somando reserva legal mais APP, vamos dizer que dê 30%. É mais do que a gente já tem hoje, estamos fazendo uma restauração do bioma, que está extremamente comprometido.

Como avalia a posição governamental de altos investimentos no PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) às custas de, por exemplo, sujar a matriz energética, quando o mundo vem buscando sustentabilidade?

Eu diria que é um desespero de causa, entusiasmo demais. Eu já vi isso nos anos 70, com "O Brasil que vai pra frente", "traz a indústria poluidora" ou então "traz tudo o que tiver de pior porque o Brasil quer desenvolver" e o nosso caminho é a economia de baixo impacto, de baixo carbono, o Brasil vai negociar carbono. Eu vou mandar a minha soja embora porque eu tenho 80% de reserva legal na minha propriedade? Quando eu exportar uma tonelada de soja eu vou dizer: eu tenho tanto de carbono fixado nos meus 80% de reserva legal. Eu não vou ter uma indústria de transformação lá no Mato Grosso porque a China vai comprar tudo. Na hora em que ela perceber que o Brasil tem uma soja como essa vai comprar a minha produção. A minha empresa hoje está produzindo para o Wallmart, que tem uma preocupação de redução de emissões. O Brasil agrega na sua commodity, que é primária. Nós temos as mesmas commodities de 1500, de açúcar, café, soja, milho, algodão. Têm só produto primário indo embora, sem nenhum valor agregado. Tem estrada ruim, um governo que fica com 40% de tudo que você produz, um porto que é uma vergonha em termos de infraestrutura, uma péssima distribuição no Brasil e coloca problema no ambiental? É uma injustiça tamanha!

Então alguns setores do capital estão mais avançados que o governo em sustentabilidade?

O governo está anos-luz atrás. Ele só reage e não pode ficar fora. O Brasil é a maior potência ambiental do Planeta! Nós temos que aproveitar isso. Para se ter uma ideia, quando vai trabalhar a questão ambiental, é o último orçamento do governo. Não é que a legislação é ruim e que precise mudar. É o governo que tem que mudar a postura. Você tem o último orçamento, poucos técnicos, não atende. Não é que você tenha que mudar a regra dos licenciamentos. Não tem gente para licenciar! É aquela coisa de jogar a água do banho com a criança fora em vez de só mudar a água. Quem quer fazer um Brasil moderno não pode deixar de ter uma meta de carbono. Simplesmente errou a mão, não é PAC. Isso é uma incompetência generalizada. É coisa de mandar prender porque nós temos condição de fazer. Onde estão instalando quase todas as termelétricas do Brasil? Numa região onde tem cana. Hoje só de cogeração, nós teríamos o equivalente a duas Itaipu prontas para entrar em operação. Por que eu vou colocar uma termelétrica a carvão? Por que o navio vai com minério de ferro e volta vazio? Isso é um oportunismo que não nos interessa, não para um País como o nosso, uma potência ambiental. A gente sabe o que o País faz quando trás uma coisa horrorosa. Isso não tem mais sobrevivência.

Qual setor, no Brasil, mais avançou na sustentabilidade?

Eu não colocaria por setor. Acho que o País como um todo avançou. Saímos de um país totalmente dependente, de quarto mundo, para essa potência ambiental. Nós adentramos um patamar de civilidade que até então não tinha. A gente ficava na contra-cultura 30 anos depois. Qualquer questão que pegava sempre era depois. Essa mudança tem incomodado alguns mercados, criado barreiras alfandegárias, coisas do tipo que a gente só vai responder se o Brasil tiver política séria. A hora que tiver barreira alfandegária para a soja ou para a produção pecuária eu vou dizer: "eu estou com zoneamento ambiental, com reversa legal, APP" e nenhum lugar do mundo tem reserva legal e APP, só o Brasil! Por isso a gente tem isso tudo! O Brasil hoje, em todos os setores, tem ganhos. Se você pegar o setor de água mineral, de produção de capital, o que for pode agregar valor. Se eu vou fazer um título de capitalização com a SOS eu tenho lá plantio de árvore! A Bolsa de Valores de São Paulo tem hoje um índice de sustentabilidade igual ao de Nova York! Hoje nós estamos adiantados e não é um otimismo exagerado. Eu acho que essa é a vocação do Brasil. Todas as coisas eram complicadas porque a gente estava perdido no tempo e no espaço. Podemos mudar esse curso. Estou confiante, vi isso em Copenhague e tenho visto isso em todos os fóruns. Quem está atrasado, infelizmente, é quem devia dar o exemplo.


MARISTELA CRISPIM
REPÓRTER

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=782476

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