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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Brasileiros desvendam proteína que destrói células do câncer

Armadilha para o câncer

Um dos mais poderosos recursos naturais do organismo para deter o câncer é uma proteína capaz de aniquilar as células tumorais, deixando ilesas as células saudáveis.

No entanto, em certos tipos de câncer, há uma inibição da expressão dessa proteína, conhecida como TRAIL (sigla em inglês para ligante indutor de apoptose relacionada ao fator de necrose tumoral), o que permite a evolução do tumor.

Agora, uma equipe de cientistas brasileiros desvendou um mecanismo molecular que controla a expressão da TRAIL na leucemia mieloide crônica (LMC).

O estudo, que mostrou como a "armadilha contra o câncer" é desmontada, abre caminho para a investigação de alternativas terapêuticas para a doença.

Morte programada

Segundo Gustavo Amarante-Mendes, um dos autores do trabalho, a proteína TRAIL induz suas células-alvo à morte iniciando um complexo e bem regulado programa molecular conhecido como apoptose, que é acionado durante o desenvolvimento embrionário, para formar de maneira apropriada órgãos e tecidos.

Na vida adulta, a apoptose - ou morte celular - desempenha um papel fundamental na renovação das células.

"Os defeitos no processo de apoptose são observados em diversas formas de câncer, e a aquisição de resistência à apoptose é considerada uma das etapas do processo de gênese do tumor.

"Algumas formas de câncer são capazes de desenvolver resistência à morte induzida pela TRAIL. Outras, como a LMC [leucemia mieloide crônica], inibem a produção da TRAIL, escapando desse importante mecanismo de defesa. Nosso estudo demonstrou o funcionamento desse mecanismo molecular," disse Amarante-Mendes.

Leucemia mieloide crônica

A leucemia mieloide crônica, segundo o cientista, é causada por uma proteína quimérica - isto é, que não deveria existir normalmente no organismo -, que surge como resultado de uma "confusão" entre os cromossomos 9 e 22, que trocam trechos entre si.

"É o que se chama de translocação gênica: a proteína ABL, do cromossomo 9, é transferida para a região BCR do cromossomo 22. Isso gera um cromossomo atípico, denominado cromossomo Filadélfia, associado à LMC. O nosso estudo investigou os mecanismos moleculares responsáveis pela inibição da expressão de TRAIL nas células leucêmicas BCR-ABL-positivas", explicou.

Inicialmente, a equipe observou que a expressão da TRAIL diminuía expressivamente com a progressão da LMC e essa diminuição estava diretamente relacionada a um aumento na expressão de uma outra proteína: a PRAME (sigla em inglês para antígeno preferencialmente expresso do melanoma).

"A PRAME normalmente não é encontrada em células normais, mas está presente com frequência nas células tumorais. Depois de constatar isso, nós observamos que a PRAME é diretamente responsável por inibir a expressão de TRAIL em células leucêmicas", disse Amarante-Mendes.

De acordo com ele, a PRAME é responsável por recrutar proteínas capazes de inibir a transcrição gênica por meio de mecanismos epigenéticos.

"O trabalho mostrou também que esse mecanismo tem implicações terapêuticas para a LMC, uma vez que a inibição de PRAME, por RNA de interferência, é capaz de gerar uma maior expressão de TRAIL, deixando as células leucêmicas mais suscetíveis à apoptose e, consequentemente, à terapia", afirmou.

Bala mágica

Quando a TRAIL foi descoberta, em 1995, pelo fato de matar as linhagens celulares em culturas tumorais preservando, ao mesmo tempo, as linhagens primárias, a proteína foi considerada uma "bala mágica" para o futuro do tratamento do câncer.

Alguns tratamentos clínicos com base na TRAIL chegaram a ser desenvolvidos.

"O problema é que algumas formas de câncer são resistentes a essa sinalização. Em outras formas, como no caso estudado, o gene BCR-ABL mantém baixa a expressão de TRAIL. Por isso focamos os estudos na tarefa de desvendar esse mecanismo", disse Amarante-Mendes.

É possível que o mesmo mecanismo desvendado pelos pesquisadores, segundo ele, possa ocorrer não só na LMC, mas também em outros tipos de tumores onde a expressão de PRAME é elevada.

"Essa possibilidade - e suas implicações clínicas - é o próximo passo para os nossos estudos", disse o cientista.

Agência Fapesp

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